quarta-feira, 21 de março de 2018

Breve história da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) e o pulmão de choque

Nos anos de 1960 no contexto da guerra do Vietnã (1959-1975) uma grave doença que acometia agudamente ambos os pulmões começou a ser descrita. Se observou que em hospitais das bases militares americanas soldados com amputações traumáticas de membros, traumas graves não torácicos e hemorragia graves com choque hemorágico desenvolviam uma afecção pulmonar, a qual chamaram de Pulmão de Choque ou pulmão de DaNang (importante base militar americana nesta época).
O quadro respiratório não era imediato, surgia poucos dias após a lesão inicial. Diferente da segunda guerra mundial quando vidas eram perdidas ainda campo de batalha, nessa guerra resgates aéreos e por terra eram realidade e avançadas bases com atendimento médico eram disponibilizadas. Após a melhora do choque hemorrágico com expansão volêmica e cuidados como antibioticoterapia e cirurgia alguns pacientes em poucas horas ou dias deterioravam para um estado de franca hipoxemia e insuficiência respiratória refratária, com RX tórax com pulmões "brancos". Nesse época muito pouco poderia ser feito para tratar o pulmão de choque.
Na mesma época, clínicos também observaram que pacientes com doenças, inicialmente, não relacionadas a trauma e não pulmonares adquiriam um quadro hipoxêmico inexplicável, o que chamaram de Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto.

O pioneiro trabalho de Ashbaugh em 1967 relatou como 12 casos de SARA evoluíram e observou que a doença era caracterizada por um quadro inflamatório, agudo e difuso, ocasionado por aumento da permeabilidade vascular e perda de tecido aerado. A unica medida que á época se demonstrou útil foi o aumento da PEEP.

Nos ultimos 40 anos diversos trabalhos com enfoque principalmente na ventilação mecânica protetora e circulação foram desenvolvidos e os critérios diagnósticos frequentemente atualizados (Berlin 2015), apesar disso a mortalidade nos melhores centros ainda oscila entre 25-60% dos casos.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Devo me preocupar com risco cardiovascular da terapia farmacológica para cessação de tabagismo? Quais as evidências ?

Tabagismo é a maior causa de morte prevenível no mundo até hoje. Até 50% dos tabagistas irão morrer de causas associadas ao tabagismo. A cessação do tabagismo é associada a aumento na expectativa de vida, melhora da qualidade de vida e redução de custos em saúde

Atualmente os Guidelines internacionais de cessação do tabagismo recomendam terapia farmacológica para TODOS pacientes que tenham interesse (além das orientações verbais e grupos de cessação) – a menos que contraindicado o uso da medicação. Existem diversas opções de fármacos, sendo os de primeira linha a Bupropiona, Nicotina (goma, inalada, nasal, patch) e Vareniclina.

As estratégias de cessação de tabagismo são geralmente testadas em indivíduos saudáveis, não sendo possível generalizar qual a melhor abordagem para pacientes cardiopatas.

Dúvidas sobre a segurança cardiovascular surgiram em 1992 quando o Wall Street Journal reportou cinco casos de síndrome coronariana aguda em pacientes que usaram o patch de nicotina e persistiram fumando.

Em 1996 o NEJM publicou um estudo que visava demonstrar a segurança da nicotina.  Como esperado, a nicotina não aumentou efeitos adversos cardiovasculares em pacientes com doença cardiovascular prévia ou não.

Naquela mesma década a American Heart Association publicou um statement com base nos estudos prévios, sendo confirmada a segurança da nicotina em pacientes estáveis, e não contraindicava nicotina mesmo em pacientes pós IAM ou com angina e arritmias graves.

Com relação à bupropiona e à vareniclina, são diversos estudos já publicados nos últimos 10 anos que confirmam a segurança cardiovascular.

O uso isolado ou em associação dessas medicações de primeira linha eleva a taxa de cessação ao final de 6 ou 12 meses de tratamento e apresenta comprovada segurança cardiovascular nos estudos, mesmo em pacientes com cardiopatias graves ou instáveis.

Fontes
N Engl J Med. 2013;368:341-350.
Lancet. 2012;379:1269-1271.
Am J Cardiol 2012;110:968 –970
JACC Vol. 61, No. 5, 2013
Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10:e002458
Eur Heart J. 1993;14:1709-1711.
N Engl J Med. 1996;335:1792-1798.

terça-feira, 13 de junho de 2017

DPOC: Oxigenoterapia domiciliar prolongada associado à ventilação não invasiva em casa após alta? Quais as novidades?

Sabemos que os pacientes portadores de DPOC grave e frequentes exacerbações apresentam pior prognostico a longo prazo, com maior mortalidade e reinternações frequentes. Dados de estudos prévios indicam que necessidade de ventilação não invasiva (VNI) na internação e gasometria arterial com hipercapnia persistente caracterizam o quadro mais severo e com maior mortalidade.

Na última edição do JAMA foi publicado o estudo "Effect of Home Noninvasive Ventilation With Oxygen Therapy vs Oxygen Therapy Alone on Hospital Readmission or Death After an Acute COPD Exacerbation: A Randomized Clinical Trial" com objetivo de investigar se pacientes com DPOC e hipercapnia persistente  (pCO2 >= 53 mmHg) após a alta se beneficiariam de uma estratégia de ODP + VNI ou ODP isolada como medida para redução de mortes/reinternações.

Foi realizado um ensaio clínico randomizado fase 3 no Reino Unido que incluiu pacientes com DPOC após tratamento de exacerbação mas que persistiam hipoxêmicos e hipercápnicos (apenas se pH >=7,30 ou seja, compensados de acidose) 2-4 semanas após a alta. 124 pacientes foram elegíveis, e posteriormente foram randomizados 59 no grupo ODP isolado e  57 grupo ODP + VNI. O desfecho primário escolhido foi tempo de readmissão ou morte em 12 meses.

64 pacientes completaram o periodo de follow-up (28 pcts no grupo ODP e 36 no grupo ODP+VNI). A mediana de tempo para readmissão foi de 4,3 meses (IQR 1,3-13,8 meses) no grupo VNI+ODP x 1,4 meses (IQR 0,5-3,9 meses) no grupo ODP isolada, com hazard ratio ajustado de 0,49 (IC 0,31 - 0,77, p=0.002). O risco combinado de readmissão ou morte em 12 meses foi de 63,4% no grupo ODP + VNI x 80,4% no grupo ODP. A redução de risco absoluto foi de 17%. Ao final de 12 meses. 16 pacientes (28%) morreram no grupo ODP + VNI x 19 pacientes (32%) no grupo ODP isolada, sem diferença estatisticamente significativa.


O que podemos concluir então?
-- Nessa população bastante selecionada, mas compativel a vida real (DPOC grave exacerbador, VEF1 < 1,0L e hipoxemia + hipercapnia persistente) sob terapêutica avançada - tripla terapia inalatória existe beneficio na associação de ventilação não invasiva com ODP visando redução de reinternações e mortes em 12 meses.

Mais informações no artigo original: http://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2627985

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Novos guidelines para descontinuação de ventilação mecânica - 2016

No final de 2016 foi publicado um Clinical Practice Guideline da ATS em parceria com o American College of Chest Physicians sobre retirada de suporte de ventilação mecânica em pacientes críticos. 
Um painel de especialistas realizou uma análise crítica da literatura e providenciou recomendações baseadas em evidências em 6 tópicos.

1. Para pacientes em VM > 24h dar preferência pelo teste de respiração espontânea com pressão de suporte (5-8 cmH20), evitar tubo T ou CPAP (evidência de qualidade moderada)
2. Para pacientes em VM > 24h, implementar protocolos visando minimizar sedação
3. Para pacientes em VM > 24h com alto risco de falência de extubação (idosos, comorbidades como DPOC ou IC e hipercapnia) implementar VNI imediatamente após extubação
4. Para pacientes em VM > 24h, implementar protocolos de mobilização precoce
5. Conduzir o período de desmame de VM > 24h com protocolos institucionais
6. Recomendado teste de cuff leak em adultos que já podem ser extubados e são alto risco para estridor pós-extubação (intubação traumática, IOT>6 dias, tubo endotraqueal largo, sexo feminino e reintubaçao não planejada). Caso o paciente falhe no cuff leak mas esteja pronto para extubação, é indicado um curso de corticóides sistêmicos 4h antes de tentar extubar.

Mais informações estão disponíveis no site
http://journal.publications.chestnet.org/article.aspx?articleid=2583277

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Colistina inalatória x endovenosa para tratamento de pneumonias relacionadas à ventilação mecânica causadas por gram negativos multi-resistentes

Recentemente foi publicado um ensaio clínico randomizado que comparou o uso de imipenem + colistina inalatória versus imipenem + colistina endovenosa no tratamento de PAV (pneumonia associada a ventilação mecânica) causada por micro-organismos resistentes a múltiplas drogas (MDR). Referência: Abdellatif et al. Ann. Intensive Care (2016) 6:26

Estudos experimentais prévios apontam que a colistina inalatória alcança alta concentração no tecido pulmonar, possui melhor perfil de efeitos adversos e menor toxicidade sistêmica.

O diferencial desta publicação foi o uso isolado da colistina inalatória em um dos braços, e não adjuvante à colistina parenteral. Como objetivo, foi testada a eficácia e perfil de segurança do tratamento com colistina inalatória isolada versus endovenosa isolada, em ambos braços o tratamento durou 14 dias.

Foram incluídos 149 pacientes no estudo, em VM por >= 48h, fora de choque séptico. O desfecho primário foi a cura clínica ou bacteriológica no dia 14 e os secundários compreenderam incidência de insuficiência renal aguda, duração do suporte ventilatório com ventilação mecânica, tempo de estadia na UTI e mortalidade na UTI em 28 dias. Análise dos dados foi realizada por intenção de tratar.

Os resultados apontaram uma taxa de cura equivalente:  67.1 % no grupo inalatória x 72 % no grupo endovenosa (p = 0.59). Houve menor incidência de insuficiência renal aguda no grupo colistina inalatória (17.8 vs 39.4 %, p = 0.004), melhora da troca gasosa pela relação P/F foi verificada, houve encurtamento do tempo necessário para erradicação bacteriológica (9.89 vs 11.26 dias, p = 0.023) e ganho de uma média de 5 dias livres de ventilação mecânica. Sem diferença na mortalidade em 28 dias ou duração da estadia em UTI.

Este estudo traz novas possibilidades ao propor o uso de colistina apenas na forma inalatória, evitando assim a toxicidade da apresentação parenteral e alcançando taxas de cura semelhantes.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

À beira-leito: revisando a Síndrome da secreção inapropriada de ADH (SIADH)

A hiponatremia (Na+ <= 135) é o distúrbios hidroeletrolítico mais prevalente nos pacientes internados em enfermarias e UTI. É um achado comum a diversas doenças e também um fator independente associado a pior prognóstico em alguns quadros clínicos como insuficiência cardíaca e cirrose hepática. A hiponatremia, geralmente é hipotônica, exceto quando há solutos efetivos no plasma. A hiponatremia hipotônica subdividi-se em hipovolêmica, euvolêmica e hipervolêmica, de acordo com o volume extracelular e a excreção urinária de sódio.

Até 1/3 dos pacientes clínicos com hiponatremia devem o quadro à Síndrome da secreção inapropriada de ADH (SIADH), que predomina nos pacientes euvolêmicos. O mecanismo da doença é atribuído à secreção inapropriada de ADH pela neurohipófise e hipotálamo em resposta a estímulos não osmóticos. Dentre as causas mais comuns estão: 
1. medicações (20-30%) - lítio, carbamazepina, ciclofosfamida, fluoxetina, sertralina ou outros inibidores seletivos da recaptação da serotonina, tiazídicos
2. neoplasias malignas (25-30%), 
3. infecções de sistema nervoso central (~7%), 
4. infecções pulmonares (~12%)
5. dor intensa (~10%) 
6. eventualmente de origem idiopática (~15%) principalmente em idosos.

O diagnóstico geralmente é sugerido pelos critérios de Bartter e Schwartz (1967). São atualmente os critérios essenciais: concentração urinária inadequada (Uosm > 100 mOsm/kg, com função renal normal) para determinado nível de hiposmolaridade; euvolemia clínica, excreção aumentada de sódio urinário (>= 25-30 mEq/L) na presença de ingesta adequada de água e sal; na ausência de outras causas de hiposmolaridade euvolêmica: (hipotireoidismo, hipocortisolismo e utilização de diuréticos).

O nível sérico de Na+ auxilia na investigação do quadro clínico. Níveis de sódio entre 125 e 135mEq/l, geralmente são assintomáticos ou apresentam sintomas inespecíficos. Quando abaixo de 124mEq/l, podem surgir náusea, vômito, fraqueza e alterações mentais; se os níveis situam-se abaixo de 120mEq/l pode ocorrer crise convulsiva, encefalopatia, rebaixamento de nível de consciência e coma. A velocidade de instalação da hiponatremia é importante, quando <48h é considerada aguda e geralmente é sintomática.

O tratamento de casos agudos (<48h) e sintomáticos é baseado na reversão da causa de base, na restrição de fluidos(800-1000 ml/dia), soro hipertônico 3% e furosemida para aumentar a excreção de água livre. Em alguns casos mais difíceis uso de demeclociclina e fludrocortisona. A velocidade da correção em geral não deve ultrapassa 10 a 12 mEq/L a cada 12h, para alcançar o alvo de 135 mEq/L. A complicação mais temida da correção rápida é a síndrome da desmielinização osmótica do SNC, maior risco na ponte e bulbo (mielinólise pontina central)

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Fraqueza muscular adquirida e outros riscos do uso de corticóides e bloqueadores neuromusculares na UTI


Os bloqueadores neuromusculares (BNM) e corticosteróides (CE) são drogas extensamente utilizadas em terapia intensiva, para o tratamento de condições diversas. O BNM são usados durante a sequência rápida de intubação, na ventilação mecânica protetora para SARA, bem como para facilitar acoplamento e ventilação de pacientes com DPOC e asma refratários às outras medidas. 

Quando ocorre uso concomitante de BNM e CE, acentuam-se os riscos de efeitos adversos, principalmente fraqueza muscular/miopatia, neuropatia periférica e dificuldade de desmame da ventilação mecânica. 

Em 1977 a prestigiada revista Lancet publicou o primeiro case report sobre fraqueza muscular secundária a uso de CE em altas doses. Naquela ocasião, uma paciente de 24 anos recebeu hidrocortisona por 8 dias em altas doses enquanto estava em ventilação mecânica, associado ao uso de pancurônio em doses intermitentes. Houve recuperação completa em 6 semanas após suspensão das drogas.

A paralisia muscular flácida induzida pelo BNM inicia-se pelos nervos cranianos, e segue pela musculatura da face, mandíbula e laringe, seguido por musculatura estriada e diafragma. O uso demanda um adequada sedação profunda (RASS - 5).

Com base nisso, o conhecimento dos riscos e como evitá-los é fundamental para o uso adequados destas drogas.

- Principais riscos associados ao uso de corticóides na UTI: infecções secundárias a estado de imunossupressão induzido por altas doses de CE; fraqueza muscular dificultando reabilitação motora e desmame da ventilação mecânica; hiperglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos, risco de insuficiência adrenal pós retirada do CE, etc.
--> Como evitar danos secundários ao CE: avaliação diária da necessidade da droga, evitar uso prolongado, uso de baixas doses (equivalente a <= 7,5 mg prednisona por dia), desmame escalonado, reabilitação precoce do doente, manter eletrólitos dentro da faixa e evitar acidose.

- Principais riscos associados ao uso de BNM na UTI: fraqueza muscular adquirida, dificuldade de desmame da VM, dificuldade de clearance mucociliar, inibição do reflexo de tosse e engasgo e maior risco de broncoaspiração e pneumonia. Os riscos são potencializados pela sepse e insuficiência renal ou hepática.
--> Como evitar danos secundários ao BNM: uso curto e programado para durar < 48h, usar drogas não despolarizantes de menor meia vida, evitar combinação com aminoglicosídeos e corticóides principalmente no contexto de sepse e insuficiência renal aguda, manter eletrólitos dentro da faixa e evitar acidose, fisioterapia intensiva e mobilização precoce.

Sabe-se que os ensaios clínicos e meta-análises não confirmaram a existência da fraqueza muscular secundária aos CE e BNM. Nestes estudos (praticamente todos pós anos 2000) o risco relativo de adquirir fraqueza muscular e miopatia não foi estatisticamente significante. Porém devemos olhar a partir de uma perspectiva histórica, onde estes estudos já não mais usavam essas drogas em altas doses ou por períodos prolongados. Assim, deve permanecer o hábito da constante vigilância para o uso correto e mais seguro possível dessas medicações, que invariavelmente serão usados no arsenal terapêutico da terapia intensiva nos próximos anos.